terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

EM BUSCA DO ÓCIO




Durante um ano em que estive cuidando do meu TGI(Trabalho de Graduação Interdisciplinar), para concluir a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, em 1981, pude experimentar algo que me serviu para a vida inteira. Não somente no profissional, mas também e principalmente, no plano pessoal.
Eu havia escolhido para meu projeto de graduação, fazer uma urbanização na plataforma resultante do lançamento do emissário submarino de Santos, em SP.
Durante o desenvolvimento, ao longo de um ano inteirinho, fomos agrupados em grupos com áreas de interesse de projeto semelhantes. Ou seja: Urbanização de áreas publicas. Nosso grupo era de cinco jovens,inspirados e criativos, que nas reuniões semanais, discutia com o orientador, os rumos dos nossos projetos.
Havia uma ação muito forte dele sobre os nossos trabalhos. Suas orientações, depois de algum tempo, começaram a me parecer que ele desejava a coautoria de cada um dos nossos trabalhos.
Eu não sei se era um sentimento comum, mas eu sentia que estava dando voltas, indo e vindo sem conseguir fechar sequer o conceito do trabalho. De uma certa maneira, a gente estava sendo direcionado de acordo com a vontade dele. A tendência também, era de agradar os orientadores, pois eram também eles que nos avaliariam na conclusão, quando defenderíamos nossos projetos.
Eu me sentia tolhido, cerceado na minha criatividade e na intuição do meu coração.
Então resolvi obedecer esse sentimento e estabeleci uma estratégia, para não encontrar mais barreiras do orientador.
Desenvolvi dois trabalhos quase distintos. Um em aula, sujeito a todas as interferências, para "agradar" o orientador, e também os palpites do grupo. E um outro trabalho, solitário em que meu coração se agradava.
Pesquisei bastante. Além dos livros que ele orientou para que lêssemos, para embasar o conceito, eu li outros livros, de outros autores, para sustentar o projeto que me agradava o coração.A este último, eu resolvi dar um nome que expressasse o conceito do projeto de edificação e urbanismo que queria implantar na plataforma:
"EM BUSCA DO ÓCIO".
Me agradava na época, e ainda me agrada, uma das principais características da orla de Santos.
Seus mais de cinco quilometros de jardins. Me agradava a ideia de uma cidade que permitia um lazer apenas contemplativo. Me parecia que esse cenário convidava a gente a lançar um olhar que vencesse os limites do horizonte, e na imaginação, contemplasse o continente africano,do outro lado do atlântico.
"EM BUSCA DO ÓCIO" era o trabalho que desenvolvi quase que totalmente em secreto, e consegui na defesa, surpreender alguns colegas e principalmente, o orientador.
A nossa banca foi composta de quatro arquitetos, profissionais de renome nacional, e o quinto, nosso orientador.
Houve cinco defesas de tese naquele dia, e o meu, foi o deixado para último propositadamente, segundo o presidente da banca. Os três primeiros trabalhos defendidos por colegas do meu grupo, não lograram êxito, e não passaram pela banca, mesmo com a participação do orientador. Tímida epálida, se bem me lembro.
A penúltima, minha colega, sofreu um pouco nas mãos deles, mas conseguiu aprovação afinal. E enfim, era a minha vez.
Todo um ano de trabalho passou pela minha cabeça. As horas mal dormidas e todo o esforço de noites e noites em claro. Todos sacrifícios que um aluno pobre, bolsista, teve que fazer para se formar em uma escolaparticular de ensino superior no nosso país. Era aquela a hora.
Eu falei durante um bom tempo. Respondi a muitas perguntas como fosse a "Santa Inquisição". Enfrentei o olhar estranho do meu orientador, e o de surpresa de alguns colegas que ainda não sabiam do meu projeto paralelo.
Ao final, recebi minha nota, que só não foi a máxima, por causa da retaliação do orientador, por eu haver escondido o verdadeiro trabalho.
Eu havia sido aprovado com a maior nota da turma, e com a recomendação do presidente da banca, que era então o Diretor do METRÔ de São Paulo, Raimundo Pachoal, para que a plateia aplaudisse o meu trabalho.
Foi a consagração de uma intuição, da coragem de um jovem que preferiu agradar ao seu coração, naquilo que acreditava, do que agradar aos outros. Na verdade, isso não é para me gloriar de nada. Eu já havia aprendido muito antes, que era preferível agradar a DEUS que agradar os homens, no trato espiritual E das coisas dessa vida. Faço esse relato com emoção e boas recordações daqueles anos em que tudo era um grande 'croqui' de vida, um anteprojeto de sonhos.
Daquele ensinamento eu nunca me esqueci, e todas as vezes que não o apliquei na minha vida profissional e mesmo pessoal, acabei por desagradar ao meu coração e ao meu DEUS.
Durante muitos anos aquele lugar, a plataforma do emissário de Santos, recebeu apenas eventos esporádicos, sem maiores projetos e equipamentos instalados. Recentemente,soube que um dos arquitetos que esteve na banca deavaliação, em 1981, o Arquiteto Ruy Othake, teve seu projeto implantado naquela área e enfim, consagrou o espaço que eu tive muito prazer em imaginar ainda como estudante. Se você não conhece, da uma chegada lá no José Menino. Sente-se no 'deck' e olhe profundamente ao longe, para o horizonte, e imagine-se enxergando as costas da África.
Já me disseram que o projeto do Ruy,ficou muito bom e harmonizou aquele pedaço da orla santista. De fato, ele é um dos melhores profissionais dos que estão em atividade ainda hoje,
Esse era o desejo de um garoto, que colocou seu coração e sonhos, sob aprovação do Senhor. E é essa a minha vontade ainda agora, transcorridos quase 30 anos. Agradar ao meu Senhor, com a minha vida em detrimento até mesmo, do que apenas me agrada o coração.
"Mas, assim como fomos aprovados por Deus para que o evangelho nos fosse confiado, assim falamos, não para agradar aos homens, mas a Deus, queprova os nossos corações"(Primeira carta do Apóstolo Paulo aos Tessalonicenses capítulo 2, versículo 4).

Um comentário:

Unknown disse...

Querido,lembra de mim? Sou sua meio irmã, me sinto assim, pois crescemos juntos em uma cidade do interior de Jataí-Goiás, lembra? Então, estou muito comovida e orgulhosa de vc, sempre te admirei muito, desde criança, olhando vc desenhando e sonhado....com perfeição. Mas, este projeto de Santos não era seu? Eles reconheceram sua luta, seu esforço grandioso por dias e noites? Seu sonho esta realizado? Então a grande e verdadeira recompensa vira de Deus, pq Ele jamais ofusca o brilho de um filho seu, q sua luz brilhe eternamente. Parabéns por sua luta, fé e humildade, um grande abraço.