segunda-feira, 8 de junho de 2009

AS OPORTUNIDADES PARA DESISTIR

Marcelo era um homem rústico e determinado. Nos conhecemos na enfermaria da Santa Casa de Misericórdia. Ele havia internado para retirar água dos pulmões. Estava já alguns dias antes de mim, com uma "garrafa" espetada nas costas, drenando o líquido que transbordara para os pulmões.
Eu estava ali, para implantar um cateter no abdômen, pois acabara de ser incluído no programa do governo, para Diálise PERITONIAL. Aquela que o próprio paciente realiza em casa.
Nossas camas estando lado a lado, podíamos conversar bastante pois nem Tv., tinha no quarto. Sabe como são as enfermarias de SUS, não sabe?
Uma das muitas histórias que Marcelo me contou, naqueles dias que estivemos internados, foi de que havia conseguido um trabalho para complementar sua aposentadoria de um salário. Ele empurrava um carrinho de sorvetes no calçadão da praia, por cerca de 8 quilômetros, 3 vezes por semana. Era um trabalho árduo que exauria suas energias, que tinha muita dificuldade para voltar a tardinha, mesmo com o carrinho vazio.
Durante os outros 3 dias da semana, ele fazia Hemodiálise ali mesmo, na Santa Casa. Perdia entre ida e vinda da sua casa até o hospital, umas 3 horas, e após uma sessão de 4 horas de filtragem na máquina, ficava pior do que um dia de trabalho empurrando o carrinho de sorvetes.
Aquela máquina, retirava do seu corpo, em média 3 litros de água, extraída do seu sangue filtrado, junto com as toxinas que os rins não conseguiam mais filtrar.
Marcelo era um homem muito duro e demonstrava um ressentimento enraizado na alma. Sua família não permitira que lhe doassem um rim, apesar de alguns dos seus irmãos terem apresentado compatibilidade para fazer a doação.
Ele contava, com amargura, que chegou a ficar em primeiro lugar na fila do transplante, mas que aguardara até o último momento, que uma irmã, que prometera doar um rim, aparecesse. O que não aconteceu e por isso, estava ali.
Repetiu algumas vezes essa história com muito rancor na alma.
Minha esposa e a esposa do Marcelo, acabaram se tornando até amigas e confidenciavam suas apreensões conosco.
Era um sofrimento grande para ele aquele "dreno" espetado nas suas costas, pois não permitia que ele se deitasse e descansasse. Pelo fato ainda de ser um camarada que reclamava seus direitos de cidadão e de paciente também, ele não gozava de muita simpatia no meio dos médicos e enfermeiras do setor de Hemodiálise, segundo afirmações dele e ratificadas por sua esposa.
Eu acabei fazendo o implante do cateter na barriga e fomos para casa.
Durante quase um mês que minha esposa fazia as trocas de soro, de 4 em
4 horas, todos os dias, chegamos a nos falar por telefone algumas vezes.
Numa dessas ligações, Marcelo me disse que após todas aquelas conversas e observando o testemunho que eu e minha esposa dávamos, frente ao "calvário" que era para nós, todo aquele processo. Marcelo me disse que tomara a decisão de aceitar a Jesus como seu salvador. Ele já o tinha feito para mim, durante as conversas na internação, mas que resolvera fazer na igreja. Me disse que entrou em uma igreja dos "crentes" que tinha perto da sua casa, e manifestara isso diante da comunidade.
Eu fiquei feliz por que aqueles momentos de muita dor, havia servido para impactar o coração daquele homem duro, sofrido e amargurado.
Eu já não estava aguentando de dor no abdômen e tivemos que retornar a Santa Casa. Descobriram que eu estava com "peritonite", que minha cirurgia para implante estava infeccionada. Essa é uma outra história que eu preciso tomar coragem para contar aqui, mas eu vou contar, viu?
Depois de muita 'briga', retiraram o cateter e tive então que fazer sessões de hemodiálise.
Mesmo fazendo em dias e horários diferentes das do Marcelo, ocasionalmente nos encontrávamos pelos corredores "sombrios" da sessão e sempre estávamos tendo notícias um do outro.
Tive muitas complicações ali, preso àquela máquina 3 vezes por semana, por longas 4 horas, e assim, vivenciei aquilo que Marcelo nos contava sobre seu "martírio" para se manter vivo.
Era, e ainda é uma coisa que mantém as pessoas "renais crônicas", sobrevivendo, mas que é uma coisa horrorosa para quem está "dentro" - Ah! isso é viu?
Enquanto eu aguardava minha vez, na fila do transplante, muitas daquelas pessoas "desistiram" da espera. Muitas vidas não aguentaram a espera de uma fila interminável, e simplesmente desistiram no caminho.
As enfermeiras e médicos da sessão, não comentavam abertamente as "perdas", as "desistências" de muitos pacientes, mas os "passageiros da agonia", sentindo a falta, perguntavam e então vinha a informação da "baixa" na lista dos guerreiros sobreviventes.
Num dos raros encontros que tivemos com o Marcelo e sua esposa, ele estava muito mal e ela estava tentando uma internação. Conversamos por alguns minutos e fui para minha sessão.
Uma semana depois, sua esposa me ligou dizendo:
- "Marcelo desistiu! Hoje será feita missa de sétimo dia." Ela estava convidando a gente, "apesar de saber que éramos crentes", gostaria que fôssemos pois ele gostara muito de nós.
Bom, a narrativa acabo aqui.
Eu queria com ela, provocar uma reflexão. Poderia na verdade, ser várias reflexões, pois de fato, há "material" para isso, não é mesmo?
Mas eu quero apenas deixar para você que sofreu ou sofre as aflições de qualquer espécie. Enfermidade, dificuldade financeira, problemas emocionais e de relacionamento, qualquer tipo mesmo.
Não desista!
A melhor maneira de ter certeza que não vai vencer, é desistir.
A Desistência é o menor caminho para alcançar a derrota.
Se você hoje, tem motivos tão enormes para desistir, é porque sua vitória será absolutamente fantástica.
Desista não, viu?
O sofrimento nunca é uma coisa prazerosa, mas é através dela que o caráter do ser humano experimenta o refinamento da alma.
Portanto, NÃO APROVEITE AS OPORTUNIDADES PARA DESISTIR, viu?
Deixe que a vontade passa.

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